Por Ana Luiza Portela
A Lei nº 14.112/20 introduziu a possibilidade de os credores apresentarem um plano alternativo de recuperação judicial quando o plano proposto pelo devedor for rejeitado ou não aprovado dentro do prazo. Antes dessa mudança, apenas o devedor tinha o direito de apresentar um plano, o que colocava os credores em uma posição passiva.
Assim, com essa inovação, prevista no artigo 6º, § 4º, e no artigo 56, § 4º, ambos da Lei nº 11.101/2005 (com as alterações promovidas pela Lei nº 14.112/20), os credores passaram a ter um instrumento para evitar a falência da empresa e buscar uma solução que contemple melhor seus interesses.
O plano alternativo dos credores, contudo, levanta questionamentos sobre sua natureza jurídica e os limites da atuação do Poder Judiciário. O plano de recuperação judicial tradicional tem natureza contratual e vincula todos os credores, inclusive aqueles que votaram contra, por força do princípio da maioria. O juiz apenas verifica sua legalidade, sem interferir em seu conteúdo econômico.
Já no caso do plano alternativo, discute-se se ele deve ser visto como uma contraproposta sujeita à aceitação do devedor ou se constitui um direito potestativo dos credores. A interpretação predominante é que se trata de um direito potestativo, ou seja, se os credores aprovarem o plano dentro dos limites legais, o devedor não pode simplesmente recusá-lo.
Na prática, imagine uma empresa que tenha um passivo total de R$ 10 milhões e apresente um plano prevendo um deságio de 50% e um prazo de pagamento de cinco anos. Se esse plano for rejeitado pelos credores na assembleia geral, estes poderão propor um novo plano, por exemplo, reduzindo o deságio para 30%, mas alongando o prazo de pagamento para oito anos, ou até mesmo sugerindo uma capitalização da dívida, convertendo parte do crédito em participação na empresa.
Nessa senda, caso o plano seja aprovado pelos credores nos termos do artigo 56, § 4º, da Lei nº 11.101/2005, o devedor estará vinculado a ele, desde que respeite o princípio de que os sacrifícios impostos não podem ser maiores do que aqueles da falência.
Esse princípio de limitação do sacrifício está diretamente ligado ao artigo 143-A da Lei nº 11.101/2005, que estabelece que o plano alternativo não pode impor prejuízos superiores aos que os sócios e administradores sofreriam em uma liquidação falimentar. Isso significa que os credores não podem, por exemplo, exigir que os sócios percam integralmente suas participações ou que sejam responsáveis pessoalmente por dívidas da empresa se isso não ocorreria na falência.
Uma analogia útil para entender esse mecanismo pode ser feita com a revisão contratual por onerosidade excessiva prevista nos artigos 317 e 478 do Código Civil. Se um contrato se torna excessivamente oneroso para uma das partes, a outra pode propor uma modificação equitativa, e essa alteração não depende da aceitação do prejudicado, mas sim da análise do Judiciário para garantir que seja justa. No contexto da recuperação judicial, os credores, ao proporem um plano alternativo, exercem um poder semelhante de modificação do contrato de recuperação, e o devedor deve aceitá-lo caso esteja dentro dos parâmetros legais.
Outra questão prática relevante é o controle judicial do plano alternativo. O juiz deve verificar se o plano respeita os princípios da boa-fé e do equilíbrio econômico, além de assegurar que ele não seja inviável ou excessivamente oneroso para o devedor. Caso contrário, o plano pode ser invalidado. Por exemplo, se os credores aprovarem um plano que determine um pagamento imediato de valores elevados, inviabilizando o funcionamento da empresa, o juiz poderá intervir para evitar que a recuperação se torne, na prática, uma falência disfarçada.
Portanto, a possibilidade de os credores apresentarem um plano de recuperação judicial representa um avanço na busca por soluções mais equilibradas para empresas em dificuldade, evitando falências desnecessárias. No entanto, a falta de regulamentação detalhada gera desafios na sua aplicação, especialmente quanto à extensão dos poderes dos credores e ao controle judicial do plano. A inovação busca equilibrar os interesses do devedor e dos credores, promovendo uma solução que maximize a recuperação de crédito sem inviabilizar a continuidade da atividade empresarial.