Por Marcos André Carvalho
Em uma recente decisão no Recurso Especial 2030882, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) abordou questões fundamentais sobre a boa-fé objetiva e a aplicação da supressio em contratos. O caso envolveu uma ação revisional entre a Indústria de Alimentos Neon EIRELI e a White Martins Gases Industriais LTDA, onde a Neon contestou uma cláusula de reajuste contratual unilateralmente modificada pela fornecedora. A White Martins havia alterado o critério de reajuste para uma fórmula mais onerosa sem aviso prévio, o que gerou insatisfação após anos de vigência.
O ponto central da discussão foi o longo período de inércia da Neon em impugnar o reajuste, o que levou à assinatura de uma confissão de dívida, aparentemente consolidando o novo critério de reajuste. A White Martins argumentou que a demora da Neon em contestar a alteração configurava a aplicação da supressio, uma figura jurídica que impede o exercício de um direito após um longo período de inércia da parte lesada. No entanto, o STJ abordou a questão de forma criteriosa, analisando se esse instituto poderia ser aplicado.
Sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, a 3ª Turma decidiu que a supressio, embora seja um remédio jurídico que decorre da inércia, não pode ser usada para legitimar condutas abusivas. A Corte entendeu que a Neon não validou tacitamente o reajuste, pois a alteração unilateral da cláusula violou a boa-fé objetiva, princípio essencial nos contratos. Assim, a supressio não poderia ser invocada pela parte que inicialmente agiu de forma abusiva, rompendo a legítima expectativa de equilíbrio contratual.
Com essa decisão, o STJ deu provimento ao recurso da Indústria de Alimentos Neon, anulando o critério de reajuste aplicado pela White Martins. O julgamento reforça o entendimento de que a inércia em contestar cláusulas contratuais não legitima práticas abusivas, especialmente quando uma das partes viola o princípio da boa-fé, gerando desequilíbrio no contrato.